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postado em 21/03/2022

ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A SUSPENSÃO DO FUNCIONAMENTO DO TELEGRAM NO BRASIL

Na última sexta-feira (18/03/2022), o Brasil foi surpreendido pela decisão judicial proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, membro do Supremo Tribunal Federal, cuja parte dispositiva determinou

Na última sexta-feira (18/03/2022), o Brasil foi surpreendido pela decisão judicial proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, membro do Supremo Tribunal Federal, cuja parte dispositiva determinou a suspensão do funcionamento do aplicativo de mensagem instantânea “Telegram” no Brasil, diante do não atendimento de inúmeras decisões judiciais que visavam garantir o bom uso da internet nas terras tupiniquins.
 
A decisão do Ministro acolheu o pedido elaborado pela Polícia Federal, fundamentado na nos artigos 19 e 21 da Lei Federal n. 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Para justificar a adoção de medidas mais gravosa, alegou a Autoridade Policial, dentre outras coisas, que “o aplicativo TELEGRAM é notoriamente conhecido por sua postura de não cooperar com autoridades judiciais e policiais de diversos países, inclusive colocando essa atitude não colaborativa como uma vantagem em relação a outros aplicativos de comunicação, o que o torna um terreno livre para proliferação de diversos conteúdos, inclusive com repercussão na área criminal”.
 
Ademais, consta em Relatório Técnico elaborado pela própria Polícia Federal e encaminhado anexo ao requerimento de suspensão, que a plataforma russa, por conta da ausência de colaboração com as autoridades judiciais, tem sido amplamente utilizada por criminosos como meio para propagar imagens e mensagens de cunho pedófilo, nazista, racista e pornográfico e que “muitos desses indivíduos, que têm se unido em grupos com centenas de pessoas de vários locais do Brasil e do mundo, vendem e compartilham imagens de condutas gravíssimas relacionadas a estupro de vulnerável. Ademais, há grupos destinados especificamente para produtores desse tipo de material delitivo, ocasião em que crianças estão em situação atual de extrema violência. E que no caso do TELEGRAM não há fornecimento de qualquer dado (nem cadastral, nem pessoal, nem cibernético) para os órgãos de persecução penal em relação a esses criminosos. O SERCOPI/DRCC desconhece qualquer resposta positiva do TELEGRAM a Ofícios dos órgãos de persecução (Polícia Federal, Polícia Civil, Ministérios Públicos Federais e Estaduais, Poder Judiciário Federal e Estaduais), bem como desconhece qualquer ponto de contato (viável) da referida empresa”.
 
Vale notar, neste ponto, que o aplicativo não deixou de atender à apenas uma decisão judicial, mas sim várias, e que todas as decisões anteriormente emitidas por autoridades judiciais, sendo eles da Suprema Corte ou não, continham o aviso de que o aplicativo seria suspenso no Brasil em caso de não atendimento a elas e, como não foram atendidas, foi determinado a suspensão do app.
 
Destacamos, ainda, que a mesma penalidade (suspensão do funcionamento) já foi aplicada em outras plataformas, a mais famosa delas é o aplicativo de mensagem instantânea “WhatsApp”, que em dezembro de 2015 e em maio e julho de 2016, foi suspenso pelo mesmo motivo, qual seja, por descumprimento de decisão judicial inobservância da legislação aplicada ao uso da internet.

Feita tal introdução, onde buscou-se delimitar a conduta punível praticada pela empresa Telegram (descumprimento de decisões judiciais e normas reguladoras do uso da internet no Brasil), o órgão requerente da suspensão (Polícia Federal) e o órgão responsável pela determinação da suspensão (Supremo Tribunal Federal), passamos a tecer alguns esclarecimentos jurídicos.
 
Num primeiro momento, se faz necessário ter em mente que de todos os direitos que os cidadãos possuem no estado brasileiro, não existe nenhum que seja absoluto. Ademais, nenhum desses direitos poderão ser invocado como justificativa ou escudo para a prática de crimes. Como forma de ilustrar este pensamento, imaginemos a liberdade de locomoção, que na Constituição Federal é elevado ao patamar de direito e garantia fundamental e cláusula pétrea (art. 5, inc. XV), da aos seres humanos (brasileiros ou não), que estão em solo brasileiro, a liberdade de se locomoverem por todo o território nacional, indo e vindo como e quando quiserem. Não obstante, pode esses seres humanos se utilizarem deste direito e garantia a locomoção para se locomoverem dentro de uma propriedade privada sem consentimento do proprietário? A resposta é não, pois ao dono daquela propriedade é garantido o direito a propriedade, que pode, inclusive, utilizar dos meios necessários para proteção deste, contra quem o adentrar sem seu consentimento.
 
No caso hipotético acima descrito, estamos tratando de um conflito entre dois direitos fundamentais, que não prevalecem um sobre o outro, mas sim coexistem. Existem situações em que a lei permitirá o acesso de um terceiro a uma propriedade privada (direito a travessia), garantindo o direito de ir e vir. E existem momentos em que a lei protegerá o direito a propriedade, a depender de caso para caso.
 
O mesmo ocorre com o direito a liberdade de expressão, que não pode ser invocado como pretexto para a pratica dos crimes de calúnia, difamação, injúria ou racismo, ocasião em que tal direito não só pode, mas deve ser restringido e seu interlocutor processado criminalmente pela prática de tais atos.
 
Trazendo esta linha de raciocínio para o caso em tela, temos que o Telegram é um aplicativo com amplo poder de disseminação de informação em massa, ante a sua particulariedade de criação de canais sem limite de usuários. Quando utilizamos tal ferramenta para fins lícitos, conseguimos dar escala para fins educacionais, comerciais, desenvolvimento pessoal, educação financeira, saúde, entre outros. Eu mesmo, tenho o aplicativo instalado e faço parte de várias comunidades (canais) que agregam conhecimento e informação de qualidade para meu dia a dia.
 
No entanto, o problema reside justamente na utilização deste aplicativo para fins ilícitos, concernentes no compartilhamento de informações que contém mensagens que tratam sobre pedofilia, neonazismo, compra e venda de armamentos restritos, compra e venda de drogas, tráfico humano, venda de cursos com ensinamentos de golpes financeiros e discurso de ódio. A lista é ampla, e todos os crimes já catalogados praticados no bojo da plataforma se encontram descritos no relatório produzido pela Polícia Federal. Assim, não se trata de uma possibilidade dos crimes acontecerem, mas sim de uma realidade.

Nesta toada, sempre quando identificado pelas autoridades competentes a prática de crime no âmbito de qualquer plataforma digital, é realizada a solicitação de exclusão do referido conteúdo, bem como identificação do usuário praticante, como forma de viabilizar a propositura da ação criminal competente, sendo dever do aplicativo atender a tais solicitações, sob pena de ser responsabilizado pelo não cumprimento da determinação emanada por autoridade competente.
 
No presente caso, foi justamente o não atendimento reiterado destas determinações de exclusão de conteúdo, tidos como criminosos pela justiça, e identificação dos usuários que propagaram referidas mensagens, que deu ensejo a decisão que determinou a suspensão do funcionamento do aplicativo Telegram no território brasileiro, ficando consignado em referida decisão, inclusive, o caráter temporário da medida, visto que a suspensão deverá permanecer somente até a regularização do cumprimento das decisões judiciais.
 
Mencionamos, por fim, que o próprio dono do aplicativo Telegram já se manifestou sobre o assunto, informando que houve um desencontro de informações e que a plataforma passará a cumprir todas as decisões judiciais, demonstrando que a suspensão do funcionamento deverá durar por pouquíssimo tempo.
 
Tecidas tais considerações e deixando a polarização política de lado, concluímos que a decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes, que suspende o funcionamento da plataforma Telegram no território brasileiro, foi solicitada pela Polícia Federal e esta amparada por lei, principalmente nas normas que regulam o uso e as responsabilidades da internet no Brasil (Lei Federal n. 12.965/14), tendo a medida, como objetivo principal, o combate ao descumprimento de determinações judiciais por parte do aplicativo, que não tem respeitado a legislação brasileira, possibilitando, com isso, a pratica de crimes no âmbito digital.
 
Por: Cristiano Eustáquio de Souza Júnior, Advogado e Sócio do Escritório Costa Urias Advogados Associados.
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